Fragmentada

Fragmentada

Fragmentada

Depois de cinco anos estou vendo uma paisagem inteira. Um resto de céu e muitos prédios inteiros. Um pedaço de paisagem certamente, que nenhuma janela apresenta o mundo inteiro. Como é boa a visão não fragmentada! A rede de proteção própria, que agora tiraram por estar suja, eu já havia cortado-a embaixo por nunca ter feito sentido. Só para quem quis - para estes sim foi proteção própria e improvisada. Eu sempre olhei desdenhando, mas hoje sei: contra o que eu pudesse pensar, protegeram-se, mesmo sem eu nunca ter pensado em janelas, nem ao menos lhes ter feito menção. Por muito tempo, na falta total de perspectivas, esqueci até de suas existências quadradas. Mas é que quando se é um perigo, inicialmente os buracos mais óbvios são pensados. “Ei, aí não, que fica peneirado um sol inteiro”, eu devia ter dito, mas deixei que o tapassem. A verdade é que a rede nunca me fez diferença, só estou pensando-a agora. Independente dela, em quantas quedas já não me feri? E tanto! Já estando embaixo, caí em outros buracos, cada parte de mim num bueiro. Nunca me agradou a altura... Eu não ousaria cair inteira, de corpo e alma. Sempre caí por pedaços, mas, repito, estando já com os pezinhos no térreo!

Agora olhando pela janela enxergo o meu modo gradual e fragmentado de ser. Devo reconstituir-me numa unidade, então. Será isso? Devo deixar-me um lembrete para amanhã de manhã (que depois do sonho esquecerei dos anseios de agora). Lembrar: ser inteira. Será dia e a claridade entrará sem barreiras pelo meu quarto. Como tenho muita preguiça, vou deixar o dia ser por mim luz, mesmo que o outono não permita grande intensidade. O exercício de não ser escuridão é deveras cansativo. Há de se poupar energia para quando for necessário. Amanhã quero algo que consolide apenas a Queda da Rede Imunda e Desnecessária. Pois então lembrar: ser inteira... como o mundo. Como o mundo! Pretensão? De modo algum. Por quem o Equador nunca passou pelo umbigo, que atire a primeira pedra! Ora essa... mas que ilusão a minha. O mundo, já o fragmentaram. O Trópico de Câncer me passa pela goela, como uma linha fatal de pipa. Sem cabeça eu não sou inteira, sem dúvida. Desisti de ser mundo, quero ser um pensamento inteiro. O mundo é menor que o pensamento. E o pensamento... é um fragmento sendo. Todo fragmento se supera ele mesmo. Eu sou fragmentada, e em cada parte é vida a não caber mais. Busco transbordar da melhor forma e pelo melhor onde (pela janela, não). Mas até que se consolide o desapego, pedirei:

 - Não juntais os pedaços, por favor, eu só sei viver em partes. Sou dissipada como as estrelas no universo. Não sou o mundo, sou as estrelas no universo.

 

Natalia Bonfim

 

• Imagem: estrelas em forma de mandala.
Mandala, do sânscrito, significa "círculo". Simboliza equilíbrio cósmico e psíquico. A partir de um ponto único a Mandala segue um padrão que confere com a série de Fibonacci (3-5-8-13-21-34…) e a regra de ouro (1,618).