Fome de Sede
• caligrafia de Arnaldo Antunes.
A Lavoura da Fome
Maria Carpi
Não sou eu que tem fome.
É a fome que me tem.
Ela me apura, hóstia, em
sua boca. Ela me salitra
a temperança para devolver-me
à fermentação, contra a cupidez.
A fome é o meu outro, escumoso.
Não vim ao mundo para saciá-la,
mas acendê-la, contra a cupidez.
E da fome me retiro, fatia,
para que ela seja inteira.
A fome, contra a cupidez,
também se retira em funduras,
para que o alimento esplenda
como um sol saído das vagas.
Não mais o impulso ao avesso,
não mais a seta e o batimento
nos ares. Apenas todo o Fruto.
(A Migalha e a Fome, poema 10)