Sexualidade e reiligião

Sexualidade e reiligião

"No Antigo Egito, o sexo não podia ter uma carga negativa, porque 'os exemplos vinham de cima, dos deuses'. É, aliás, um deus criador, Atum, que forma a Terra a partir da masturbação, diz Luís Manuel de Araújo.

Esta idéia de divindades com vida sexual (e bastante ativa) desaparece com o monoteísmo. E 'a noção do pecado surge [na Mesopotâmia] com os semitas, 1700 ou 1800 anos antes de Cristo', afirma Maria de Lurdes Palma. Houve realmente, como diz o historiador de arte John R. Clarke, citado pelo Telegraph a propósito da exposição de Londres, 'um mundo antes do cristianismo, antes da ética puritana, antes da associação da vergonha e da culpa com o ato sexual'? 'A experiência cristã corresponde, de fato, a um corte', admite o teólogo José Tolentino Mendonça, da Universidade Católica, a quem coube no colóquio da Faculdade de Letras falar sobre A Sexualidade no Novo Testamento. Mas, acrescenta, não no sentido que estaríamos à espera. 'A mensagem cristã, na sua origem, não legisla diretamente sobre os dois grandes interditos', os alimentares e os sexuais. Não há, no Novo Testamento, 'um interesse em legislar sobre a sexualidade'.

Com o cristianismo, defende Tolentino Mendonça, a própria noção de corpo é reinventada e 'trabalha-se a idéia de que existe um corpo individual'. Se compararmos 'o catálogo dos vícios que aparece em São Paulo com os que existiam em escolas como a dos estóicos ou dos cínicos, percebemos que São Paulo não é o 'castrador de serviço', mas que, no contexto do mundo antigo, é capaz de olhar para a corporalidade de uma forma que integra a sexualidade no projeto humano'.

Quanto à vergonha e à culpa, são conceitos que vêm do Antigo Testamento (Adão e Eva expulsos do Paraíso e subitamente envergonhados por estarem nus), 'não são invenções cristãs'. 'Claro que há leituras legalistas e moralistas, que se tornam sufocantes', admite, mas na narração bíblica 'as palavras procuram guardar uma enorme abertura'. 'A sexualidade é a expressão do segredo mais radical, a sua linguagem mais funda, mais íntima', pelo que 'recusar esse pudor é diminuir a expressão poética do próprio amor'.

Talvez seja este o ponto certo para regressar à exposição de Londres. Kate Bush, responsável pelas galerias de arte do Barbican, citada pelo Times, afirma que a exposição tem uma 'definição muito ampla' do que é a experiência sexual: 'Auto-erotismo e fetichismo estão incluídos. Pedofilia e imagens violentas estão definitivamente excluídas. O sexo não é só entre duas pessoas; pode ser com objetos ou idéias'. O que choca ou não choca é discutível, claro. 'As fronteiras de cada um são individuais.'"

Alexandra Prado Coelho In Público, 26.10.2007, sobre uma exposição em Londres